terça-feira, 22 de junho de 2010

Novo final: A Carteira – Machado de Assis

Após sair da cafeteria , Honório resolveu abrir a carteira novamente, pois o desejo de pagar as dívidas era maior que a amizade devotada a Gustavo. Ao abrí-la, ficou curioso para saber sobre do que tratavam aqueles bilhetes e se havia algum bilhete de amor, afinal Gustavo nunca havia lhe apresentado nenhuma namorada,. Na verdade, Honório achava Gustavo um tanto estranho pois, como podia um homem jovem de trinta anos não ter esposa e filhos sendo rico e tão cobiçado pelas mulheres nos bailes que frequentava?
Ao abrir o primeiro bilhete, Honório observou um número de telefone e um nome, José, e logo lembrou que Gustavo tinha um irmão com esse nome. No segundo bilhete havia o endereço de um excelente alfaiate. Ao abrir o terceiro bilhete, Honório percebeu que era de um médico, pois o garrancho era quase ilegível. Mas, foi o quarto bilhete que realmente lhe chamou a atenção: havia um perfume familiar impregnado no papel, uma marca de batom cor de vinho do lado de fora, e ao observar as primeiras letras percebera que se tratava de um bilhete de amor.
- Agora saberei quem é a dama que Gustavo esconde.
Isso aliviava muito Honório, pois desconfiara que Gustavo poderia ter algum problema , parecia não se interessar por mulheres.
Ao ler as duas primeiras linhas, Honório pensou conhecer aquela letra tão bonita e arredondada, por um instante pensou bem e fechou o bilhete. Afinal, aquilo era uma invasão de privacidade e Gustavo era seu amigo.
Honório caminhou pelo Largo de S. Francisco de Paula e voltou para a Rua Uruguaiana. Parou, pensou em suas dívidas, andou mais um pouco, pensou em Gustavo, depois pensou que talvez aquele dinheiro não fizesse tanta falta ao amigo. Pensou em quem seria aquela mulher do bilhete, pensou também que conhecia aquele perfume, aquela cor de batom, aquela letra, e finalmente caminhou em direção à sua casa pensando em uma forma de pagar suas dívidas. Se soubesse o nome da mulher do bilhete poderia chantagear o amigo e conseguir algum dinheiro pelo silêncio. Mas Honório não era um homem desonesto, não tinha coragem de fazer mal às pessoas , quanto mais à seu amigo. Sua dívida não poderia corromper sua moral e ética, sua elegância obtida em anos de estudo não poderia ser maior que seu desespero financeiro.
Ao chegar em casa , Honório se deparou com Gustavo e sua mulher, D. Amélia, sentados no sofá de um modo muito íntimo, com as mãos sobrepostas rápidamente recolhidas ao vê-lo entrar pela sala. Honório sentiu o perfume de sua mulher que inundava a sala, seus sentidos reconheceram logo aquele perfume, aquela letra e aquela marca de batom eram de sua esposa D. Amélia. Por um intante a garganta de Honório secou, os olhos se esbugalharam, seu rosto começou a suar, e se deu conta de que a mulher misteriosa de Gustavo era aquela que ele chamava de esposa. Honório respirou fundo e foi mudar de toilette. Ao retornar, beijou a esposa, entregou a carteira à Gustavo. Antes que Gustavo pudesse agradecer saiu porta afora. Quando Gustavo abriu a carteira observou que não havia mais seus setecentos e trinta mil-réis, no lugar deles havia um bilhete , ao abrir percebeu que era a letra de Honório , e leu:
“Obrigado por ser meu amigo de longa data, te agradeço pelo belíssimo presente. Cuide bem de minha esposa. Estarei de férias no Recife. Mando aos dois um postal.
Honório.”

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